terça-feira, 16 de março de 2010

artes:renascimento italico

1. Introdução ao Renascimento

Período da história cultural europeia que se iniciou na Itália à volta de 1400 e se prolongou até ao final do século XVI; em outros pontos da Europa, teve uma aparição mais tardia, durando até ao século XVII. É característica do Renascimento a descoberta do mundo e do indivíduo, bem como a redescoberta (iniciada por Boccaccio e Petrarca) da antiguidade clássica pagã. Eram elementos centrais do Renascimento o conceito de humanismo, a crença na vida activa, em vez da contemplativa, e uma fé nos ideais republicanos. A maior expressão do renascimento está patente nas artes e no saber. Alberti, nos seus escritos sobre arte, criou um método de pintura (que advogava o uso da perspectiva para provocar a ilusão da tridimensionalidade), estabelecendo também uma nova temática não religiosa e de inspiração clássica. Na arquitectura, criou, através dos seus textos e dos seus edifícios, um sistema de proporções simples que iria ser seguido ao longo de centenas de anos. Masaccio e Bruneleschi, seus contemporâneos, exemplificaram essas ideias na pintura e na arquitectura, respectivamente.

Quanto à produção artística, os críticos e historiadores de arte consideram o período entre 1490-1520 (o «renascimento pleno ») como um ponto alto, com as obras de Leonardo da Vinci, Rafael, e Miguel Ângelo na pintura, e Miguel Ângelo e Bramante na arquitectura. O ponto alto da pintura veneziana viria alguns anos depois, com Ticiano, Veronese e Tintoretto. Leonardo tem sido descrito como um «homem universal» devido à grande abrangência dos seus estudos e actividades, que incluíram a pintura, a arquitectura, a ciência e a engenharia. As grandes realizações dos artistas foram possíveis graças ao mecenato de poderosas famílias, como os Sforza, em Milão, e os Médicis, em Florença, ou do doge de Veneza, ou ainda de papas como Júlio II e Leão X.

Na literatura, tanto Boccaccio como Petrarca escreveram importantes obras em italiano, em vez de latim, uma orientação que foi continuada com a criação de poemas épicos em vernáculo por Ariosto e Tasso. A evolução do religioso para o secular tornou-se visível na criação das primeiras bibliotecas públicas e nas muitas traduções de clássicos, publicadas em Veneza no século XVI. Na filosofia, a redescoberta do pensamento grego tomou a forma do neoplatonismo, associado a figuras como Marsilio Ficino. Maquiavel fundou, com a sua obra O Príncipe, os alicerces do moderno estudo da política.

Fora da Itália, a arte e as ideias renascentistas espalharam-se por toda a Europa. Erasmo, nos Países Baixos, encarnou a erudição humanista europeia; entre os pintores da Europa setentrional encontram-se Dürer e Holbein. Em França, alguns dos escritores renascentistas foram Rabelais, Du Bellay e Montaigne; em Espanha, Cervantes, em Portugal, Camões, e em Inglaterra, Shakespeare. O termo «renascimento», como definição de um período da história cultural, foi introduzido por historiadores do século XIX. Nas artes, o fim do renascimento foi marcado por um movimento ocorrido nos finais do século XV, o maneirismo; reagindo contra as convenções rígidas entretanto estabelecidas, caracterizou-se por uma tendência para um alongamento deliberado da figura humana e uma distorção propositada das perspectivas; mas o verdadeiro fim dos ideais renascentistas só viria a dar-se com a ascensão do iluminismo, nos finais do século XVII.

A ideia de renascimento

O historiador de arte Vasari aplicou o termo italiano rinascita (renascimento) ao período ascencional da arte a partir de Giotto; este critério já tinha sido muitas vezes antecipado, se bem que nunca de forma sistemática; mas foi apenas a crítica de arte do século XIX que adoptou este conceito para caracterizar o desenvolvimento da cultura italiana do século XIV até aos princípios do século XVI, razão que levou a que um fenómeno distintamente italiano fosse estranhamente baptizado com um termo de origem francesa: renaissance, ainda hoje se mantendo em alguns sistemas classificativos o termo «renascença». Para Michelet, a designação significava a descoberta do mundo e do indivíduo, ideias popularizadas por Burckhardt no seu famoso livro A Civilização do Renascimento em Itália (1860). Essencial a esse processo era a redescoberta da antiguidade clássica, e como esta era por definição pagã, a sua revivificação, acompanhando a descoberta do indivíduo, tingiu toda a visão do renascimento como anti-medieval e anti-cristão. Assim, segundo o mesmo entendimento, ao mundo cristão da Idade Média seguir-se-ia uma era esplêndida na esfera cultural, mas pagã, logo suspeita nas suas qualidades morais, e destinada a um castigo condigno simbolizado pelas catástrofes que assolaram a Itália nos finais do século XV.

Naturalmente, houve quem por isso lamentasse e vituperasse o Renascimento, ou fosse mais longe, negando a sua importância ou mesmo a sua existência. Para além dessas críticas marginais, e para aqueles que ainda afirmam a importância crucial do renascimento italiano, as opiniões extremamente simples dos críticos do século XIX foram alvo de modificações, contrariando-se claramente a afirmação das consequências pagãs da ressurreição da antiguidade clássica. A base deste argumento é a figura de Petrarca, tornando-se óbvio, mesmo numa leitura mais superficial, o seu temperamento resolutamente cristão, e que o movimento de humanismo que dele parte não pode ter nem uma face nem uma orientação anti-cristã. Apesar de ainda estar preso à desconfiança medievo-cristã em relação às coisas deste mundo, Petrarca acaba por, tanto a partir da sua leitura dos pais da igreja, como de Cícero, proclamar a providencialidade do mundo, destinado à vida dos humanos, e não à sua renúncia pelos mesmos. Assim, Petrarca inicia, como no título do estudo do uma visão essencialmente positiva da humanidade na sua existência terrena.

O século XV em Florença

Através de Boccaccio e especialmente do historiador Coluccio Salutati (1331-1406), as ideias de Petrarca entraram em Florença nos finais do século XIV, inspirando aquilo a que se chamou um «humanismo cívico», a crença no valor da vida activa, em vez da contemplativa, expressa na defesa florentina da causa da liberdade republicana. Antes do surgimento de Petrarca, a autoridade cristã residia na figura de São Jerónimo, citando-se: Sancta quippe rusticitas solum sibi prodest, ut ille ait («Atendendo a que a ingenuidade sagrada apenas se beneficia a si própria, como ele diz»). Petrarca tornou-se por sua vez uma autoridade, resultando dessa confirmação a actividade dos educadores humanistas, tendo os principais sido Guarino da Verona (1374-1460) e Vittorino da Feltre (1378-1446), e os muitos tratados da primeira metade do século XV tendo por tema a dignidade da humanidade. O melhor exemplo destes tratados é um trabalho da autoria de Giannozzo Manetti (1369-1459), Sobre a Dignidade e Excelência do Homem (1451-1952), com o seu lema para o humanismo da época: Agere et intelligere (fazer e compreender). Nada poderia indicar de melhor maneira o temperamento do quattrocento italiano, na sua ânsia de acção e conhecimento.

Petrarca

Petrarca, se bem que florentino de origem, foi criado na Provença, devido ao exílio do seu pai. Assim, beneficiou do processo pelo qual clérigos italianos, com a aprovação de eclesiásticos franceses, iam tendo acesso às velhas bibliotecas das catedrais francesas. Petrarca iria encontrar a obra de Lívio quase completa em Avinhão, procedendo ao restauro do texto, entretanto sujeito à acção do tempo. Embora Petrarca nunca tenha alardeado esses seus estudos, eles constituíram uma das fontes da recuperação crítica da herança clássica no século XV, apesar de apenas secundar Boccaccio na retoma de contacto com o há muito perdido mundo da literatura e erudição gregas. Petrarca recriou uma ideia de latinidade clássica, iniciando a recuperação e a revisão de textos antigos que foi continuada no início do século XV. Esta tarefa foi executada com tal entusiasmo que, especialmente no caso da literatura em latim, já se encontrava virtualmente completa no primeiro quartel do século XV com a geração de Poggio Bracciolini (1380-1459), um dos mais bem sucedidos descobridores de manuscritos clássicos encerrados nas bibliotecas monásticas.

Alberti e as artes visuais

Enquanto o impulso literário veio de Petrarca, coube a outro florentino, apenas um século mais tarde, legislar as artes. Leon Battista Alberti vinha também de uma família exilada de Florença, mas o forte impacto da cena florentina quando lá regressou por volta de 1430 fê-lo dedicar-se à prática e à teoria artísticas. Como nenhum tratado de pintura nos chegou da antiguidade, Alberti é o primeiro a transmitir ideias neste campo; o seu Da Pintura (1435) codifica e aclara a conquista florentina da representação espacial na pintura, fazendo do mundo real o tema da própria pintura, visto como que através de uma janela, com a ilusão tridimensional criada por uma perspectiva assente em bases matemáticas. Esta revolução na abordagem erradicou a arte religiosa dos góticos e bizantinos, mais simplista nos seus fundos dourados e nas suas cores primárias e puras. Em consonância com a renovação da forma, Alberti garantiu também uma renovação temática. Para ele, uma «história» é o que a pintura inclui, e cita como exemplo a Calúnia de Apeles, uma das poucas pinturas da antiguidade de que há registo. E assim, ao lado da dominante arte eclesiástica da Idade Média, nasceu a pintura secular do renascimento.

Alberti não é menos revolucionário no seu estabelecimento de novas regras da arquitectura. Nesta área, foi tanto arquitecto (o palácio Rucellai em Florença, o templo Malatestiano em Rimini) como teórico. Ao contrário do que acontecia com a pintura, tinham sobrevivido trabalhos de autores como Vitrúvio, um teórico antigo; o conceito de renascimento apenas como culto e imitação da antiguidade, é apresentado no livro de Alberti, Da Arquitectura (1452). Mas, tal como revela na fachada de Santa Maria Novella (1472), em Florença, um profundo respeito pelos elementos da gramática do gótico, na escrita Alberti mostra-se notavelmente independente de Vitrúvio. Procurava mais princípios do que regras, e estabeleceu, juntamente com o conceito da arquitectura como actividade, uma trilogia humanística de necessidade, comodidade e deleite.

Tal implica, claro, a substituição de alguns elementos de grandes dimensões, reduzidos a um todo simétrico pelo uso de um módulo básico e de proporções simples que pareciam a Alberti comuns à arquitectura, à música, e à ordem subjacente a toda a natureza. Pondo fim à multiplicidade de elementos que era emblemática da arquitectura gótica, Alberti propôs uma arquitectura racional e, através de uma ligação muito natural, associou-a à revivificação do idioma clássico, associação talvez menos lógica do que acreditava; mas, tal como se revelaria da maior importância para a futura arquitectura de toda a Europa, esta associação foi também da maior conveniência. De uma só vez, a arquitectura ganhou uma linguagem universal, a que não faltavam colunas (que eram para Alberti o mais nobre dos ornamentos) e ordens clássicas, com elementos modulares capazes de permitir inúmeras variações, característica que iria revelar-se de grande utilidade não só ao longo do período do renascimento, dentro da própria Itália, mas no restante território europeu e, posteriormente, no continente americano até aos finais do século XIX.

Assim como podemos dizer que Alberti codificou o que já acontecia na pintura florentina com Masaccio, também podemos dizer que na arquitectura codificou e, mais ainda, classicizou, o que tinha sido iniciado com Brunelleschi. A teoria pictórica de Alberti abriu caminhos que iriam ser percorridos até ao impressionismo, se bem que devamos incluir neste percurso uma contribuição vital por parte dos pintores flamengos, que se tornaram conhecidos e apreciados na Itália no século XV, graças aos contactos estabelecidos através do comércio da lã. Os flamengos tinham chegado de forma empírica ao uso da perspectiva, e trouxeram a nova técnica de pintura a óleo, que influenciou em especial a arte colorista de Veneza. Mas, do ponto de vista da arquitectura, a teoria de Alberti subjaz ao próprio renascimento e a períodos e estilos subsequentes, como o barroco, o rococó e o neoclassicismo.

Estes foram os contributos de Florença para aquela que foi a era, primeiro, do Humanismo e, depois, do renascimento. Foram possíveis, claro, dentro das circunstâncias políticas e económicas da época. Na Itália, o feudalismo nunca se estabeleceu de forma firme, e devido às fraquezas das duas autoridades de carácter «universal», o império e o papado, algumas cidades estabeleceram a sua autonomia. Estas prosperaram com a primazia italiana no comércio e na banca; foi numa Florença enriquecida pelo comércio da lã, da seda e pela banca que as novas ideias se puderam desenvolver. Como estas condições eram já existentes, tal significa que não existe uma linha de divisão única entre a Idade Média e o renascimento, havendo vários tipos de sobreposições entre as duas. De facto, para Vasari, o momento do renascimento das artes é 1250, considerando Giotto o instrumento desta mudança, coincidindo a data com a primeira forte afirmação da primazia florentina na Toscânia.

O século XV noutras cidades italianas

Florença é a representante da era e do espírito das comunas; mas estas tendiam naturalmente a dar lugar a famílias dirigentes. Em Florença, os Médicis tornaram-se virtualmente príncipes a partir de 1434 e, sob a égide de Lorenzo Medici, o Magnífico, os novos aspectos da cultura floresceram num ambiente cortês. Esta situação repetiu-se noutras cortes de Itália, nomeadamente com os Gonzaga, em Mântua, os Este, em Ferrara, os Sforza, em Milão, Federigo da Montefeltro, em Urbino, e Alfonso de Aragão, em Nápoles. A procura de manuscritos clássicos estendeu-se até Bizâncio e, com a queda do Império do Oriente em 1453, vieram juntar-se à influência grega no saber renascentista as contribuições de eruditos de regiões orientais. Destacou-se entre estes o cardeal Bessarion (c. 1403-1472), cujo legado da sua biblioteca pessoal veio ajudar na fundação da grande Biblioteca de São Marcos, em Veneza; antes, em Florença, a primeira biblioteca pública da Europa tinha sido estabelecida pelos Médicis em San Marco. Tudo isto fez parte de um processo através do qual a erudição, em tempos exclusivamente monástica, se tornou secular.

A secularização do saber conheceu grandes avanços com a invenção, na Alemanha, em meados do século XV, da imprensa com tipos móveis. A imprensa foi importada para a Itália por volta de 1460, sendo rapidamente adoptada, especialmente em Veneza que, pelo menos durante um século, se tornou no centro do comércio livreiro europeu. Antes da época da imprensa, o papa Nicolau XV havia encorajado a tradução para latim dos autores gregos que então estavam a ser descobertos. Mas, na viragem do século, Aldus Manutius, o famoso tipógrafo e impressor romano estabelecido em Veneza, forneceu à Europa as editiones principes (primeiras edições impressas) da literatura grega e, com a sua adopção do tipo itálico em 1501, uma série completa de textos simples e em pequenos formatos da literatura clássica e moderna. As fundações do mundo moderno assentaram nesta nova, e até aí impensável, disponibilidade do saber para todos.

A arte do renascimento pleno

Do ponto de vista artístico, o século XV era já esplendoroso: de Masaccio, Donatello e Botticelli a Piero della Francesca, Cosimo Tura e Andrea Mantegna. Mas, com o início do século XVI, e com os pontificados de Júlio II e Leão X, Roma passou a ser um centro artístico, com pontos altos deste período nas obras de Miguel Ângelo e Rafael. Paralelamente a estes dois encontra-se um terceiro génio, Leonardo da Vinci que, nunca tendo estado em Roma, se ligou a Lodovico Sforza, em Milão, findando a sua vida em 1519, em França, onde se encontrava a convite de Francisco I. O trabalho em pintura de Leonardo torna-se ainda mais precioso por ser escasso e pela fragilidade das telas, devido às suas experiências pictóricas. Para Vasari, estes três artistas significaram o culminar de uma ascensão contínua, iniciada no século XIV; trouxeram uma aura de grandeza quase sobre-humana à arte italiana, ideia que não se desvaneceu desde então. Leonardo, dada a extensão e diversidade dos seus conhecimentos, tem sempre sido encarado como o exemplo do conceito renascentista do «homem universal».o renascimento em Veneza

Veneza tinha-se mantido algo afastada dos padrões gerais, virando-se para o exterior, (o seu comércio com o Levante) e para o passado (as suas ligações com o Império do Oriente). Mas a cidade iria dar um passo em frente, com a geração de Aldus a dominar o comércio livreiro; com as obras de Bellini e Giorgione, conquistou um lugar comparável ao das outras cidades, quanto à pintura renascentista. E como Veneza, apesar da cruel crise da guerra de Cambrai, em 1508, conseguiu sobreviver à queda das liberdades italianas e ao advento do absolutismo com Carlos V (a partir de 1530), permanecendo uma cidade próspera e livre ao longo século XVI, manteve o esplendor artístico com Ticiano, Veronese e Tintoretto, bem como com o mais influente de todos os arquitectos do renascimento, Andrea Palladio. Em geral, o ano de 1530 pode ser considerado como uma espécie de término do renascimento em Itália; no caso de Veneza, a data pode ser avançada até cerca de 1600.

A ideia do cavalheiro renascentista

Tal como é pouco rigoroso analisar o renascimento em termos de um contraste simples e claro com a Idade Média, como fizeram Michelet e Burckhardt, também não deve ser tomado como um todo uniforme. Ao período do humanismo cívico sucedeu o domínio dos Médicis em Florença; nos contactos feitos com eruditos orientais quando o Conselho de Florença procurava reconciliar as igrejas do Ocidente e do Oriente (um último esforço para afastar a ameaça dos turcos), Cosimo de Médicis sentiu-se atraído pela figura de Platão. Daí resultaram o seu mecenato em relação a Marsílio Ficino e o nascimento da Academia Platónica. Ficino tornou-se discípulo de Platão, defendendo o neoplatonismo.

Talvez por coincidência, mas de forma adequada a uma corte, o ideal contemplativo voltou, mais uma vez, a substituir o activo. Este ideal foi alargado a toda a Europa através de um livro que espelhava a mais nobre das cortes italianas, a de Urbino: O Livro do Cortesão, de Baldassar Castiglione. Publicado em 1528 (ou seja, após o saque de Roma, 1527), contém uma visão nostálgica dos princípios civilizacionais cultivados em Urbino no tempo de Federigo da Montefeltro, num dos mais belos palácios principescos. Para além de expor, nas suas conclusões, as ideias do neoplatonismo à Europa, definia não tanto o estatuto do cortesão como o ideal do cavalheiro. Nenhum outro livro deste tipo conseguiu concentrar tão bem os ideais do renascimento italiano.

Religião e ciência renascentistas

Lorenzo Valla revelou-se a mais penetrante mente crítica do século XV. Como filologista, abriu caminho a Poliziano, tornando-se ambos figuras respeitadas pelos eruditos clássicos modernos. Como autor de Elegantiae (1435-1944), Valla revelou os modos de se atingir um estilo latino mais puro. Erasmo publicou as Adnotationes in Novum Testamentum/Notas sobre o Novo Testamento de Valla, onde o que parecia uma forma de crítica sacrílega era pela primeira vez aplicada à própria «palavra de Deus». Valla foi tomado como um predecessor pelos pensadores da Reforma; mas a sequência cronológica do renascimento que precedeu a Reforma não implica necessariamente causa e efeito, não sendo possível estabelecer elos firmes entre as duas situações.

Da mesma forma, é duvidoso estabelecer que a noção de progresso científico esteja enraizada no renascimento italiano. Na verdade, Toffanin defendeu a tese de que a ascensão do humanismo sufocou as ciências em favor de fenómenos literários. A imprensa de caracteres móveis foi inventada pelos alemães, Copérnico era de origem polaca, e Francis Bacon precedeu Galileu, que deu à Itália um sucesso científico já no século XVII, fora dos limites cronológicos normalmente estabelecidos para o renascimento.

Educação

O objectivo da educação renascentista era produzir o «ser humano completo» (o uomo universale), com formação em estudos humanísticos, matemática e ciência (incluindo as suas aplicações na guerra), nas artes e ofícios, na aptidão física e nos desportos; alargar os limites do saber e do conhecimento geográfico; encorajar o desenvolvimento do cepticismo e do livre-pensamento, bem como o estudo e a imitação da literatura e arte gregas e latinas. O estudo dos clássicos não era considerado incompatível com os princípios cristãos, recebendo no entanto as mulheres pouca instrução formal.

Pensamento político e história

Foi no pensamento político e na escrita histórica que a Itália esteve mais claramente adiantada em relação à Europa. Leonardo Bruni, chanceler de Florença (e um dos humanistas cívicos da era de Salutati), escreveu uma grande História do Povo Florentino, escrita em latim, que representou um corte com a tradição cronista medieval (renunciando a qualquer noção de providência divina na história) e antecipou por um século o trabalho de Maquiavel e Guicciardini. O Príncipe (1503) de Maquiavel foi muito mal compreendido, mas constituiu a pedra de toque da discussão política, enquanto as suas Histórias Florentinas e, mais ainda, a História da Itália (1537-1940) de Francesco Guicciardini são documentos fundamentais da moderna escrita histórica.

O renascimento e a literatura vernácula

O facto de tanto Guicciardini como Maquiavel terem escrito no vernáculo é prova de que as teorias novecentistas, segundo as quais o humanismo sufocava, com a sua face fria e imitativa, o veio nativo da literatura, estavam erradas. Na verdade, existe uma forte corrente vernácula que perpassa todo o século XV, reconhecida e encorajada por muitos humanista, como Bruni ou Alberti. A poesia vernácula foi conscientemente retomada por figuras como Lorenzo, o Magnífico e Poliziano, e os géneros sobreviventes foram enriquecidos pelo contacto com a poesia clássica. Tal é claro no caso de Ariosto, cujo Orlando Furioso (1532) é o poema mais popular do século XVI. Por fim, no início do século XVI surgiu Pietro Bembo (1470-1547), concedendo ao vernáculo um estatuto semelhante ao da própria língua latina. O seu Prose della volgar lingua/Prosas da Língua Vulgar 1525 fez do toscano o idioma literário inquestionável de toda a Itália e abriu o caminho a outras obras, em outros países, como a Deffense et Illustration de la Langue Françoise/Defesa e Ilustração da Língua Francesa de Joachim Du Bellay, ou a Defense of Poesie/Defesa da Poesia de Philip Sidney.

O renascimento fora de Itália

O impacto do humanismo e do renascimento italiano no resto da Europa foi variado. Erasmo, mais do que qualquer outra figura isolada, encarnou a erudição humanista na Europa setentrional. Encontrou e publicou, em 1505, as Adnotationes in Novum Testamentum/Notas sobre o Novo Testamento de Lorenzo Valla, começando assim a ciência da crítica aos textos bíblicos. A geração de Erasmo reconheceu as três línguas eruditas, latim, grego e hebreu; esta última foi acrescentada por mérito especial de Pico della Mirandola, um prodígio de erudição que se ergue a par Ficino na renovação de atitudes na segunda metado do quattrocento em Florença. Este ideal do collège trilingue iria inspirar Rabelais, na França do início do século XVI; também a obra de Montaigne, com a sua formação puramente latina, o seu vasto conhecimento dos autores latinos e o seu interesse pelo indivíduo, seria impensável sem o fundo do renascimento.

Quando Carlos VIII invadiu a Itália em 1494, o impacto da cena artística italiana nos meios franceses foi muito forte, levando a que a arte e os artistas italianos se espalhassem pela França. Além de Leonardo, outros artistas italianos como Primaticcio ou Niccolò dell'Abate trabalharam para Francisco I em Fontainbleau, exercendo uma influência decisiva na escola de Fontainebleau. Francisco I também empregou uma das figuras essenciaisdo renascimento, Benvenuto Cellini. Os efeitos na arte francesa prolongaram-se de forma irregular até ao século XVII, com Claude Lorrain e Poussin e os princípios da arquitectura italiana tiveram sempre de fazer concessões às fortes tradições arquitectónicas francesas.

O Renascimento chegou tardiamente a Portugal, e inicialmente por via francesa. A característica específica mais importante do renascimento português é a sua ligação à expansão marítima, que permitiu, não só ao país, mas a toda a Europa, um conhecimento do mundo sem paralelo até então e que se repercutiu nas artes, nas ciências e na literatura. Simultaneamente, o paço real — nomeadamente nos reinados de D. Manuel I e D. João III — impulsionou os estudos de portugueses nas universidades da Europa, pondo–os em contacto com as mentalidades e os conhecimentos renascentistas; muitos destes estudiosos vieram depois a difundir as novas ideias como professores das universidades de Lisboa e Coimbra — esta última viu mesmo o seu plano de estudos alterado, proporcionando uma maior atenção ao humanismo, privilegiado também no Colégio Real das Artes, então fundado. Na filologia, o humanismo deu azo a uma série de estudos sobre o português e a uma renovação do léxico e da sintaxe que definiram uma nova fase da língua. Por outro lado, a experiência prática da vida no ultramar proporcionou um surto de literatura científica (D. João de Castro, Garcia de Orta), de viagens (Fernão Mendes Pinto, Pêro Vaz de Caminha) e historiografia (Diogo do Couto, Fernão Lopes de Castanheda) de grande importância. Outros grandes representantes do novo espírito foram João de Barros, Damião de Góis, António Ferreira e Camões (embora a literatura do último tenha já influências do maneirismo). O estabelecimento da Inquisição (1547) e o movimento da contra–Reforma vieram impor severas restrições à actividade artística portuguesa, situação agravada pela perda da independência, em 1580, que implicou o desaparecimento da corte de Lisboa, grande centro cultural do país, abrindo caminho à decadência do espírito que animara esta renovação.

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